Estamos todos juntos na mesma cancha

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Nestes dias de isolamento para evitar a contaminação pelo coronavírus, tenho aproveitado para meditar sobre a nova realidade que se impôs a todos os países e seus habitantes como forma de encontrar novos caminhos para alinhar a vida pessoal, social e também a vida corporativa.

Como sei que teremos inúmeros novos desafios pela frente onde precisaremos reforçar criatividade, foco e propósito, sempre que preciso de um dose extra de inspiração, tenho recorrido a muitas leituras e uma delas é o livro que resgatei do meu avô paterno, que apesar de ser sobre o esporte de bocha, contém muito da essência Ramenzoni de ser, que me ajuda a ter pensamentos mais leves, otimistas e claro, me faz rememorar passagens de vida e aprendizados que passo para o papel e compartilho com vocês.

A pouco estava relendo o capítulo intitulado “O estilo no jogo” e um trecho logo ganhou destaque com o marcador de texto:

…no jogo de bocha, como em todas as outras manifestações da vida que envolvam o próprio prestígio – o que vale mais é a maior simplicidade possível. Não é verdade que certos gestos sejam sinais de autoconfiança e autocontrole: a verdadeira autoconfiança não precisa de sinais particulares de evidência. É por isso que, em nosso jogo, a máxima simplicidade e a restrição imposta à instintividade dos movimentos constituem os princípios de um estilo. O restante segue por consequência lógica: os passos devem ser precisos, limitados ao necessário; a impostação de partida, deve corresponder à desejada para a eficácia do arremesso; esse dependerá da posição certa do corpo e da habilidade do braço, direcionados pelo olho.

Li e reli o texto acima, não pude deixar de fazer uma analogia com as necessidades vitais para o momento atual e compreendi perfeitamente o que o autor (no caso, o meu avô) queria transmitir aos seus leitores sobre estilo e para que vocês também possam alcançar a profundidade da mensagem, eu vou contar um pouco sobre quem era Lamberto Ramenzoni.

O nonno era um homem muito estiloso, sempre bem vestido, elegante, asseado, usava o traje que estivesse de acordo com a ocasião em evidência (esportiva, social, corporativa, lazer), mas tudo com muita simplicidade.

Estilo para ele era sinônimo de saber se comportar e se vestir com elegância. E isso eu posso até imaginar que ele aprendeu bastante com a minha avó, que eu já contei no meu livro que não gostava tanto dela como gostava dele, porque ela era exagerada nas suas regras comportamentais e de vestimentas. Por exemplo, ela queria implantar a regra que eu e meus irmãos tivéssemos o mesmo estilo do meu avô! Não tinha cabimento! Criança mantém distância de adulto que quer tirá-la do mundo da fantasia, tentando tolher a sua espontaneidade.

Para vocês terem uma ideia, quando eu era bem menino, meu avô fazia shows de mágica na sala de casa, onde eu e meus irmãos nos divertíamos muito. Antes do show começar, ele recomendava que estivéssemos bem vestidos, como se fôssemos para uma peça no teatro e só liberava o uso da gravata!

Em seu livro sobre bocha, ele defendia que o esporte requeria espaços simples, democráticos, pois o objetivo do jogo era integrar as pessoas, independente da classe social ou etnia, na mesma cancha. (Exatamente como estamos hoje, na mesma cancha, para vencer o coronavírus!) Um espaço onde todos deveriam seguir regras básicas de boa educação (no caso agora é higiene!), convivência harmônica (mais do que nunca, primordial, mesmo que seja virtual), comportamento íntegro, dignidade na hora de ganhar e também de perder.

Em um outro trecho, encontrei mais uma analogia para o momento atual que requer um alto índice de engajamento e resiliência para obtermos os resultados almejados.

Seria um erro, quando se trata do jogo de bocha, dizer que o estilo de jogadores em condições humildes deve diferir do estilo dos jogadores de alto status. De fato, todo homem, independentemente de suas condições sociais e econômicas, pode seguir as regras do estilo esportivo com vantagem e sem custos, com o simples uso da inteligência e amor sincero pelo esporte que pratica. E pode-se acrescentar que essa é precisamente a importância social e humana do esporte: no fato, de ser capaz de educar os homens na própria correção de caráter, no controle de seu comportamento, que depende apenas de um engajamento da vontade.

Meus avôs Ramenzoni vieram de uma família muito simples, o vô ganhou dinheiro através de muita dedicação para migrar da situação de artesão chapeleiro para dono de indústria, mas a minha avó, no seu imaginário, idealizava que o meu avô Lamberto pudesse ser um embaixador, um diplomata… e embora ele tivesse todos os predicados que correspondessem ao sonho da sua esposa, a realidade é que ele montou uma pequena fábrica de chapéu, já que aprendera o ofício da chapelaria na Itália, juntamente com outros familiares e através de trabalho árduo, coragem e integridade, conquistou um lugar de destaque na sociedade e também no cenário industrial brasileiro.

Cá entre nós, isso também ajudou a imprimir em meu avô um estilo ainda mais elegante, por ser o chapéu, àquela época, uma peça do vestuário masculino (e também feminino!) que simbolizava elegância, bom gosto e requinte.

Meu pai e o meu tio Ibsen seguiram o mesmo estilo do meu avô, que transmitiram para os seus filhos (eu, meus irmãos e primos) e nós transmitimos aos nossos filhos que eu espero que consigam transferir para os filhos deles. Meu pai vivia à frente do seu tempo, sempre antenado com o que acontecia pelo mundo, mesmo em tempos que nem se cogitava que pudesse existir algo parecido com internet.

Nesse capítulo do livro sobre estilo, provavelmente ele estava querendo mandar recados para os companheiros dele na cancha de bocha, não devia estar satisfeito com o comportamento deles durante a prática esportiva. E então aproveitou o tema para expandir as dicas para o aprimoramento das pessoas no âmbito pessoal e profissional também, afinal, o trio composto por simplicidade, caráter correto e dignidade faz a diferença em todos os âmbitos do viver bem.

Quando montou sua fábrica de chapéus com o meu tio avô Dante Ramenzoni, levou muitos desses princípios esportivos através da defesa ferrenha pelos direitos de seus funcionários, criando assim um estilo de administração harmoniosa, sem olhar apenas para o próprio umbigo.

Quando eu leio esses textos do meu avô, escritos há 70 anos, fico tão orgulhoso! Apesar de termos convivido pouco, ele morreu quando eu tinha 14 anos, consigo mensurar o valor de trazer seu DNA no meu código genético. Por isso coloquei o nome da minha biografia de: Dante Emilio, mais um autêntico Ramenzoni.

Que vençamos todas as dificuldades desses tempos munidos de simplicidade e estilo humanitário, afinal, estamos na mesma cancha!

Feliz Páscoa a todos!

 

 

 

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